quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Sinto a Tua falta


Demorei tempo até conseguir estar aqui hoje para te falar, Mãe.
Agora que já passou o Natal, época de família e amor, depois de muitas vezes me ter sentado sem que nada conseguisse escrever, com altos e baixos, mudanças, depressões, sorrisos... Agora que começou mais um ano e que já passou quase um ano desde a tua partida... A verdade é que só agora consegui vir aqui mandar-te um beijo e prestar-te homenagem...

Fazes-me falta Mãe, sabias? Claro que sabes, sempre soubeste tudo que eu precisava de saber. Perdemos a luta contra o monstro e nada mais foi (nem será) como dantes.
E é a sentir a tua falta sempre, que recordo os 6 anos de doença, tudo o que passámos e sofremos e quase que parece que toda a nossa vida se resumiu a viver e a sobreviver à doença. Tantos dias de consultas, de tratamentos intermináveis e hospitais, esperas, cortes de cabelo, unhas cinzentas, azia, fraqueza, aftas, angústias e esperanças... acreditavas que podias viver para sempre mas choraste muitas vezes com medo de morrer, lembras-te mãe? Eu sempre disse que sim, que se já aguentaste tanto, seria sempre assim, não te íamos perder! Desculpa mãe, afinal eu estava errado...

Neste Natal a tua ausência foi avassaladora...
Não tive aletria, filhós nem broas daquelas que tu sabes que eu adoro. Não te tive a ti, é isso, tudo isto eu posso sempre comprar. E não há nenhuma prenda que me possam oferecer, que substitua a falta de ti. É muito cliché, mas é mesmo assim.
Não há o brilho nos teus olhos pelas surpresas que me fazias, como se eu ainda tivesse 3 anos.
Recordei os Natais em que, não sei como, conseguias colocar a prenda em cima do fogão como se fosses o Pai Natal, apesar da minha insistente vontade em ficar acordado a tentar perceber como é que ele vinha pela chaminé sem se deixar apanhar. Recordo mas não o posso partilhar contigo. E isso é que é lixado (ou fodido mesmo), recordar mas não te ter, ser obrigado a viver de recordações provocadas pelo vazio da tua partida.
Não houve nem há casa cheia (ainda que sempre tenhamos sido poucos mas tu enchias qualquer casa) e a família é pouca, cada vez menor.
E não tem havido muita coisa...a tua perda tem sido difícil de gerir e nem sempre tenho estado equilibrado, desculpa-me mas para isto não me preparaste tu! Tenho feito o meu melhor e agora que já quase todos esqueceram que te foste, eu sinto tudo como se tivesse sido ontem (o ano voou)... Espero que estejas contente, tenho-me (temo-nos) aguentado e vou tentar manter-me assim, sempre em busca do homem que tu mereces que eu me torne, sempre, tudo por ti.
Sempre dizem que não partiste porque estarás sempre comigo, naquilo que eu sou e no homem que me tornei. Verdade. Mas isso vale uma bela merda quando eu só queria um beijo da minha mãe.

Já sinto a tua falta desde o dia em que partiste, talvez só agora com o Natal eu tenha conseguido escrever algumas palavras sobre o assunto; talvez agora, que faz quase um ano em que te foste embora, eu te consiga dizer a sério como me vais fazer falta a vida toda.

Sinto a tua falta quando chego à Tua casa e não estás, nem na sala nem no quarto vazio;
sinto a tua falta quando consigo mudar de trabalho e não te encontro para te perguntar se concordas, se continuas orgulhosa de mim;
sinto a tua falta quando revejo, vezes sem conta, os teus últimos dias de vida... em que recordo o murro no estômago quando soube por telefone que não havia mais nada a fazer, murro esse que só muito tempo depois começou a doer, depois de se perceber o tamanho da tragédia;
sinto a tua falta quando preciso da tua opinião, porque a tua opinião está (estava) quase sempre certa, seja nas coisas grandes, nas pequenas ou nas assim-assim;
sinto a falta de ouvir a tua voz, de te abraçar, isto é do que sinto mais falta e não preciso de ser um génio para saber que será das dores que mais doem e que nunca passam, apenas aprendemos a viver com ela, talvez;
sinto a tua falta para te dizer que a tua filha está tornada uma Mulher incrível e que as coisas com ela estão bem encaminhadas;
sinto a tua falta porque não consegui levar-te de novo a Moçambique;
sinto a tua falta porque a merda da doença te levou cedo demais e não vais poder abraçar os teus netos...;
sinto a tua falta para te dizer que tenho saudades tuas, que continuo o mesmo puto, sempre a sorrir e de bem como a vida, como tu me ensinaste a ser e que tenho mesmo pena de te ter perdido cedo demais;
sinto a tua falta quando choro a pensar em ti e na falta que me fazes no dia a dia (e se chorei muito este ano);
sinto falta de te ouvir cantar e gritar, de te ver dançar, de te ver sorrir, das tuas parvoíces, de quando implicavas comigo;
sinto a tua falta mas espero que estejas em paz e sei que continuas a mexer aí os cordelinhos para que continuemos todos a alcançar tudo o que nos está destinado e, se assim for, continuaremos para sempre juntos;
sinto a tua falta por todas as razões e mais algumas e todas as palavras serão sempre escassas para a falta que me fazes.

Amo-te muito! Bom Natal e bom ano Mãe!
Beijos meus, da Sara e da Mariana

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Individualismo emocional


Já andava para falar de sentimentalidades e mulheres (de novo) há algum tempo e hoje encontrei um texto que me fez sorrir; o texto é antigo e fez-em acreditar que não tenho feito tudo mal.

Falar sobre mulheres não é um tema que me alicie em demasia, não só porque estou solteiro há demasiado tempo, com todo o pânico que isso pode causar, mas também porque é um tema que provoca sempre algum melindre. Mas vejamos.


Para os que vão responder que devo é arranjar namorada e que não percebo nada do assunto, confesso já que acho que estar solteiro não é doença nenhuma. Mas ao mesmo tempo, reconheço que uma manta e uma boa dose de carinho curam mais que 10 caixas de Ilvico.
Mas mais que o tema mulheres, preocupa-me a parte sentimental inerente à nossa relação com elas e delas connosco. Ocupo-me hoje duma dualidade incontornável: sentimento vs estabilidade, permitindo-me dispender sobre devaneios solteiristas e acima de tudo sobre o chamado (por mim) individualismo emocional.
Mais nobres preocupações se poderiam levantar, como a fome em África, o Ébola, a crise financeira, mas sobre essas já muitos se debruçam - e nada fazem. Cada um fala do que lhe dói e isto é tudo meu.


É muito mais fácil não amar e infelizmente essa é uma opção tomada de forma tão consciente, que chega a ser brutal: o encontro correu bem mas ela não liga, o estômago apertou depois de tanto tempo e o irmão fica doente, o pneu fura, a mãe precisa de carinho e o trabalho não pode ficar para o dia seguinte; e nunca mais a vemos, o cheiro dela volta-nos passadas demasiadas semanas quando nos cruzamos no Cais do Sodré, o elo perde-se, a ligação fica pelas meias tintas e ficou cada um na sua cena (a famosa zona de conforto, usada hoje ao desbarato).
Já o MEC falava neste assunto no seu Elogio ao Amor Puro e eu próprio já aflorei o tema em textos anteriores. O que faltou, a ele e a mim, foi conceptualizar a ideia: individualismo emocional. O que é?
Eu gosto, eu faço porque quero, porque me sabe bem, porque dá jeito, porque o Verão acabou, eu quero alguém para ir jantar fora, não quero ter frio no Inverno, estou cansado de estar solteiro, que me perguntem quando é que arranjo namorada, estou cansado de dar, apetece-me receber, seja o que for, de quem for e esta pessoa calha mesmo bem. É isto. Sem tirar nem por. É emocional sem o ser automaticamente por definição. O individualismo emocional é racional por definição, logo, contradiz-se a si próprio desde a sua génese. E é um mal mais geral do que os próprios intervenientes queiram e consigam acreditar.


Este racionalismo emocional enche discotecas de pitas à procura de garrafas, dinheiro e fama, centros comerciais de casais enfadonhos e adúlteros; contamina amizades, deturpa amores e sustenta de forma vazia uma sociedade cada vez mais desprovida de amor puro.
E deriva na proliferação de casais assentes na estabilidade e não no sentimento. "Ele nem é muito giro, pode até não gostar assim tanto de mim (como eu dele) e pode até já me ter traído, mas a minha vida com ele vai ser muito boa, vamos poder viver bem, passear muito e comprar coisas boas para os nossos filhos, que eu acho que vão ser lindos". Quem nunca ouviu algo do género que se acuse. Eu vomito em cima de afirmações como estas, as vezes que mas repetirem aos ouvidos.


Quem gosta não olha para a carteira, quem gosta não olha para si, exterioriza o amor que sente pelo outro para existir em função desse mesmo amor e não pelo que esse amor provoca em si; dentro dum verdadeiro amor está, acima de tudo, a outra pessoa, a outra pessoa, a outra pessoa. Sempre a outra pessoa, porque é ela que nos move e não o inverso. É ela que destrói a chuva, o vento, o sono, as birras e os pudores. E não o inverso. Dentro de nós estará o espanto da paixão, o espanto da profundidade e da perfeição: devido à outra pessoa estar tão dentro e completa em nós e não pelo amor que sentimos por ela apenas.
Quem gosta está no telemóvel, no Facebook, no Instagram, não para incluir na sua vida partilha de momentos perfeitos a dois, mas porque o conjunto é mais que o amor que sentimos dentro de nós. Estamos madrugada adentro, no carro e telemóvel (tão dentro); estamos dentro quando escrevemos cartas intensas, depois de treinos intensos, de dias intensos, de tudo intenso; o amor verdadeiro é intenso, porque sendo intenso não deixa espaço para pensar, não deixa espaço para conveniências, não permite mais nada, é isto.
Os verdadeiros apaixonados acham que o gostar deles é único e irrepetível, como se todos os outros que se gostam fossem ridículos por se acharem especiais e nem saberem quão longe estão da sua perfeição. E eles é que sabem!


Não é fácil encontrar o termo certo, moldar as relações da forma mais pura e grandiosa, o tempo é curto e já ninguém tem paciência para coisas grandiosas, contentamo-nos com amores comedidos, com relações que achamos que merecemos e que não dão muito cabo da cabeça, é uma verdade gasta mas à qual não é fácil fugir.
No entanto, enquanto continuarmos a encontrar no baú textos destes, o céu continuará azul e estamos, seguramente, no caminho certo:

"ser grande
 é uma coisa simples. tão simples que, quando encontras alguém grande, consegues logo identificá-lo. eu soube logo, mas logo, que tu eras grande. foi assim que te vi, naquelas estúpidas visitas virtuais que passaram a ser um ritual desde que descobri q és grande, ou seja, logo desde o início.
mas dizer o q é ser grande não é coisa tão simples assim. ou pq as palavras não suficientemente grandes (por muitas letras q tenham) ou pq a grandeza desse sê-lo transforma tudo em coisa mínima.
tu és grande pq não deixaste q o meu pensamento fosse para outro lado, mesmo quando devia estudar ou queria ver os morangos ou me apetecia simplesmente vegetar naquele sofá.
és grande porque as palavras pequeninas te chegam, porque o silêncio te chega, porque uma música te chega, porque um beijo ou dois te chegam para perceberes o que é ser-se grande. 
és grande pq tens os músculos do judo, a experiência e a paixão de roma, a sensibilidade de 22 anos vividos em todos os sítios de onde és, o à vontade do bairro, a destreza de kuala lumpur, a boa onda da praia grande e uma beleza grega que fascina. 
és grande pq não me fazes sentir pequenina, nunca. pq és mais forte do que eu, mais bonito do que eu, mais tranquilo do que eu, mais corajoso do que eu, sem nunca me fazeres sentir fraca ou feia ou stressada ou cobarde. isso é ser grande: ser-se melhor sem que os outros se sintam piores. 
tu és grande pq cheiras bem, um cheiro que é só teu, pq tens uma pele de seda, pq tens uns olhos verdes e dentro, pq tens músculos aqui, aqui, aqui e aqui, pq tens aquela voz de homem, sem deixares de ser um menino, pq podes cmg com um único braço, como se eu fosse nada (mas sentido-me tudo, ao mesmo tempo). 
grande pq me escreves cartas pequenas, grandes, assim-assim, pq envias sms qd tou no teatro ou a dormir ou a pensar em ti (sabes sempre quando é altura de me mandar um msg), pq me levas ctg ao bairro, ao pé dos teus amigos (uns grandes, outros pequenos, outros assim-assim), pq tens amigos q gostam de mim, pq fechas os olhos qd os teus se cruzam com os meus a meio do teu treino. 
olha, és grande pq sobes a corda 3 vezes (2 das quais de seguida), pq consegues atirá-los ao chão, pq consegues fazer tantas flexões e abdominais e sprints juntos - e nem sabes o quão grande isso tudo te faz. 
és grande, por fim, pq em ti cabe tudo. tudo o q uma menina-mulher como eu precisa e quer: beleza e força, inteligência e doçura, paixão e amor, estabilidade e flutuação, loucura e firmeza, música e letra, inverno e verão... 
és muito grande. as coisas pequenas não te chegam. enquanto eu te chegar, serei grande também. Obrigada."


terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Verão

Faz tempo que não escrevo; já o comecei a fazer vezes sem conta nos últimos tempos; faz mais de 3 meses que aqui venho sem que nada de jeito saia, faz mais de 3 vezes que me perguntam se tenho algo novo no blogue, mas nada. Hoje percebi porquê.
Percebi porque não escrevi, mas sabia-o há já muito tempo. Porque foi Verão. E eu não gosto do Verão. E hoje choveu a potes e como parece que acabou o Verão, voltei a escrever. Funny...

Mas não é fácil não gostar do Verão. Tal como não é fácil não gostar de uma série de coisas de que toda a gente gosta.
Não é fácil não gostar das praias quando está muito calor (e elas estão cheias). É ver chegar Março e os termómetros baterem nos 24º C, para ver a generalidade das pessoas tirarem as carnes, ainda com resquícios de filhós, das calças e casacos, para logo rumarem aos areais, que logo ficam repletos, de pessoas e de imbecilidade. Não tenho nada contra, apenas não a tenho como uma vontade também minha, tal como sempre diz um amigo meu "um homem não faz, mas também não critica". Não tenho nada contra, mas posso ter uma opinião que me leve a fazer outras coisas que não ir à praia quando fique muito calor; não ter nada contra é diferente de não ter capacidade valorativa daquilo que nos rodeia e isso eu acho que todos devem ter (ainda que não julgue quem a não tem - uffff).

Tudo isto para dizer que não acho que devamos ser críticos acérrimos desta ou aquela opinião, muito menos fundamentalistas, cada um faz o que bem quer. Não obstante, esta é a minha "casa" e eu digo o que muito bem me apetecer e aceitar a diferença do outro não impede, no meu íntimo, de achar uma série de coisas, de grandessíma bestialidade.
Além desta corrida às praias, podia fazer uma lista extensa, possivelmente conexa em alguns pontos com a lista de coisas estúpidas de que já falei em tempos, mas perpendicular, na sua idiossincrasia, a ela.

Sem querer entrar em listas, basta falar de algumas, para se ter ideia do que falo.
Por exemplo, a (outra) corrida aos descontos. Escapa ao meu entendimento, correr para um supermercado ou uma bomba de gasolina, acumular cupões, coleccionar panfletos, quando isso nos obriga, respectivamente, a gastar mais para poupar menos, comprar coisas de que não precisamos, fazer mais kms e gastar gasóleo para supostamente poupar nesse mesmo combustível, viver de forma obcecada naquela colecção se isso nos retira prazer porque o bife era uma porcaria, se berramos com alguém porque perdeu um dos cupões ou o desconto na promoção já não está em vigor. Fazer mais para poupar mais, muitas vezes é menos, vida. Mas, um homem não faz, mas também não critica.

Por outro lado, o "ir para fora". Seja viajar por sistema, seja emigrar. Quem muito se ausenta, um dia deixa de fazer falta e quem faz da viagem o seu modo de vida, perde-se no caminho.
Sou fã de viajar, conhecer, tudo isso, mas não creio que seja necessário fazer disso gala. Agora estou na América do Sul, agora estou na Ásia e vou indo e vindo a Portugal favorecendo-o com a minha presença, porque sou muito cool e grande demais para este país. Já ninguém acha piada a isso.
Nem sequer da emigração um factor de destaque, vai para fora quem quer, vai quem precisa, mas vai e pronto, seriam de evitar os discursos emocionados de comiseração nacional e de pais chorosos no aeroporto. Vivemos numa época de ajuste à realidade e a culpa não é de ninguém, senão de nós mesmos, que tirámos cursos a mais, tirámos cursos que não serviam para nada, por isso a solução é emigrar, procurar o nosso lugar, que não merecemos para que fosse cá. Não merecemos e se calhar até nem queremos, preferimos emigrar porque achamos que Portugal é um atraso e no estrangeiro é que é bom. Por isso vão e não voltem. Os políticos são uma porcaria como sempre o foram, a culpa sempre foi deles e de todos, de modo que são de evitar falsos moralismos e falaciosos raciocínios vazios sobre o pobre estado da Nação.

Acima de tudo, a ideia que subjaz a este meu regresso aos textos, é a ideia das excitações colectivas e do quanto elas podem ser perniciosas na sua nossa existência em sociedade. Mais que o princípio de que um homem não faz, mas também não critica, é precisamente a interiorização de que não podemos e não devemos fazer todos as mesmas coisas.
Não temos de ir todos para o Algarve em Agosto, não temos de ir todos aos mesmos festivais, nem tirar as mesmas fotos nos mesmos sítios. Contra mim também falarei quando acho que deveríamos buscar a originalidade, ainda que levando uma vida próxima uns dos outros, julgo ser compatível a originalidade e a manutenção de um padrão próximo de comportamentos, assim consigamos (e a sociedade nos deixe) parar para pensar, ter raciocínio crítico, sem nos excluir dela.
Finalmente, acho que falta coração ao que a generalidade das pessoas faz. Somos animais sociais e o reflexo do meio no qual nos inserimos, mas se colocarmos coração no que formos fazendo, aquilo que vamos fazendo, ainda que igual, passa a ser mais nosso e, por isso, distinto.
Por isso eu não escrevi no Verão, porque é o tempo por excelência das vaidades e excitações colectivas, funciono melhor com a paz inerente à chuva do Inverno. Não obstante ser também eu um ser social e não recusando as minhas próprias incongruências, com o passar do tempo aprendes, vais aprendendo e continuo a aprender que a maturidade é uma benção e quem não parar para pensar nisto arrisca-se a levar um pedaço bem pequeno deste Mundo. Mas um homem não faz, mas também não critica.

E chove lá fora e eu não gosto do Verão :)
Até amanhã e até breve

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Hoje é sobre política

AQUI ESTÁ, TIM TIM POR TIM TIM, UM DOS MELHORES RETRATOS DA NOSSA "DEMOCRACIA".
                                                                   
A náusea

Por Rita Ferro

Conhecem aquele tipo de beatas ou ratas de sacristia, essas matronas que se apoderam das igrejas católicas, mudam as dálias do altar, barricam o acesso aos padres e lhes engomam os paramentos em êxtases ambíguos, destratando os humildes e adiantando-se nas naves para serem as primeiras a comungar, de olhos em alvo e estendendo, papudas, as mãos à hóstia? Essas, precisamente! E sabem por que motivo me enervam mais do que qualquer pecador cristão? É simples: porque não pecam na casa delas, mas na de Jesus.

Ora bem. É seguindo a mesma lógica que certos socialistas me revoltam mais do que qualquer burguesia exploradora, pelas mentiras, falcatruas e conspiratas que fazem, servindo-se dos clichês humanistas para depois se borrifarem nos pobres, aburguesando-se num crescendo assustador e apoderando-se, um a um, de todos os confortos dos ricos ou do que entendem por «alta sociedade»: o carrito de luxo, a casita com piscina, a contita na Suiça - tudo ambições humanas, mas anãs.

Ao contrário, a Direita, sendo egoísta, comodista, diletante, individualista - tudo o que quiserem, reconheço - ao menos não mistifica as suas prioridades!

Em suma: não há partidos, há pessoas, e a ambição é comum às duas margens, já o sabemos. Mas a de alguns socialistas é tão execravelmente hipócrita que acaba por enojar quem, como eu, neta de salazaristas, foi tão pronto a entender a bênção da democracia que chegou a dar-lhes, penitente e escrupuloso, o benefício da dúvida.

O exemplo começou com o mais emblemático dos paladinos da liberdade e da justiça: El Rei Dom Mário Soares e os seus sucessivos citroëns de luxo, personalizados como um monograma, os tailleurs Chanel da Maria Barroso, talhados no Ayer, e as suas casinhas na cidade, serra e praia, para se aquecerem ou refrescarem consoante as estações do ano - e, finalmente, até uma Fundação para se distraírem na reforma; décadas depois, a coisa refinou: temos o Sócrates a vestir-se por estilistas da Rodeo Drive de Los Angeles, a ministrada anti-fascista a rolar em séries 5, e os quadros estratégicos das empresas públicas a ganharem salários que nem os banqueiros ganham - mete nojo!

(Atenção: escreve-vos a sobrinha de um Director Geral do Turismo *, casado e com cinco filhos, de rendimento modestíssimo, que, em Abril de 74, foi enjaulado em Caxias como um vulgar delinquente por alegado crime de peculato, por gastar - segundo a grelha da (in)Justiça Revolucionária - «demasiada água do Luso»! Miseráveis: não lhe arranjaram mais nada! E agora digam-me: visitar um tio na prisão por servir garrafas de água, nas funções representativas que ocupava, e ter de encará-lo atrás das grades prostrado pela desonra, para agora ver esta maltosa arrivista em lugares-chave, alguns deles profundamente desconhecedores de maneiras ou protocolo, a jantarem no Eleven e a regarem-se a Chivas?)

Palavra de honra: antes os políticos comunistas e bloquistas – autistas no seu radicalismo anacrónico e obviamente perigosos num cenário de poder – mas, apesar de tudo, com outra face, outra decência, outra coerência doutrinária!

E digo-vos mais: nem deveria ser gente como eu, apenas crítica ou sangrando sobre os escombros de uma pátria pilhada e demolida, a revoltar-se, mas os próprios socialistas, honestos e convictos da consistência da sua ideologia, a demarcarem-se, exigindo o afastamento de quem tão gravemente os embaraça, compromete e, por associação, os arrasta para este lodo de troça e de descrédito!

E só digo mais isto: coitados dos militares de Abril, analfabetos, que alinharam: foram usados! Cravos, sim, mas foi para lhes pregarem as mãos!

* Engº Álvaro José Ferreira Roquette, meu tio adorado que partiu sem rancores

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A estupidez das coisas

As pessoas são estúpidas.
Não acredito que sempre o foram, apenas vão optando por passar a ser estúpidas com o passar dos anos.
Não acredito que as pessoas sejam naturalmente boas e que a sociedade é que as corrompe: a criança pode ser má desde cedo e é-lo logo em pequenino quando bate no outro só porque lhe apetece; com o passar dos anos a sociedade pode torná-lo uma boa pessoa, ou o inverso.
Mas a estupidez das coisas/pessoas é algo que vem na maior parte dos casos na decorrência da vida - tirando os putos que sempre foram estúpidos, mas esses chumbaram no 5 ano e nunca mais os vimos.

Nota prévia: todos estaremos seguros de que coisas há na vida que são maravilhosas, geniais e de brilhante inteligência, não é disso que eu falo; falo antes da estupidez inerente a uma certa postura que uma generalidade de pessoas insiste em minar o seu quotidiano - e o meu pelo menos, que me vou cruzando com elas.
A estupidez que insiste em enfiar-se no Ikea num dia de sol, em comprar mil coisas nesse mesmo Ikea de que não precisa e que vai dar um trabalho imenso a montar, mesmo com instruções (sim, porque o estúpido não paga para lhe irem levar e montar os móveis a casa, o estúpido gosta de suar e discutir com a mulher porque o móvel ficou torto) ou até a estupidez que adora encher os copos de bebida no Ikea, porque é GRÁTIS.

Segunda nota prévia: detesto o Ikea como já se viu. Terceira: a estupidez ora em dissertação pode confundir-se com "chico-espertismo", mas não são, de todo, a mesma coisa.

É óbvio que a educação jogará aqui um papel decisivo. Um miúdo, educado desde que começou a andar, a ir pedir 70 brindes que estão a oferecer à porta do centro comercial, dificilmente será um adulto que paute a sua conduta pela moderação ao encarar uma qualquer fila, que vá para a praia apenas com o essencial ou que construa a sua família na base da ponderação e racionalismo. Por isso (mas não só), as praias mais lotadas são de estadia insuportável se não quisermos levar com putos em cima, berros descontrolados e tachos e tupperwares a caírem-nos em cima. Também por isso, as pessoas discutem no trânsito, porque os estúpidos acham que se forem pela direita e ninguém vir, eles ganharam e está tudo bem. Mas enganam-se, eles e nós, não está tudo bem e perdemos todos, por sermos todos um pouco mais estúpidos.

É estúpido:
- tirar macacos no trânsito à espera que ninguém veja - é um stress e há sempre um carro que vai aparecer e alguém sempre vê;
- trancar o carro duas vezes porque achamos sempre que nos esquecemos;
- fazer 5km para meter gasóleo no carro para ter desconto - os descontos são uma ilusão, porque o que poupamos numa coisa perdemos na outra e porque se fizermos mesmo esses 5km o desconto fica anulado;
- arrancar um pelo do nariz, porque dói horrores e nós já sabemos que assim é;
- dizer a um bebé para ele não gritar - ele não percebe;
- perguntar a alguém se cortou o cabelo;
- dizer ao Advogado que nos defende que não bebemos na noite anterior quando se tresanda a álcool;
- ir ao Ikea ao Sábado à tarde (ou sempre);
- chegar atrasado, seja em que circunstância for;
- achar que chegar atrasado é bom ou até pensar que é melhor chegar atrasado porque toda a gente vai chegar atrasada e não queremos então ser os primeiros a chegar;
- qualquer tipo de "wannabe" - dá sempre mau resultado querer ser o que não se é;
- beber sumos detox;
- o miserabilismo português;
- todas as "febres sociais" - selfies, acharmos que somos comediantes, acharmos que somos nutricionistas, vídeos virais e coisas afins;
- dizer que não vemos a Casa dos Segredos porque temos medo de assumir.
- o funcionalismo público português (e as "instituições" em geral).

A lista seria infindável, tem piada ir apontando a estupidez humana revelada em assuntos actuais ou momentos do quotidiano, mas deixo-a para próximos posts, isto promete. Mas já dá para ver que a maior parte destas "estupidices" ocorrem quando já somos adultos (eles, eu não sou estúpido), até porque a uma criança ou a um jovem desculpa-se tudo "são novos não pensam", agora a um adulto? Pois, mas a verdade é que são os adultos que são estúpidos, muitos deles, em mais de 60% das suas vidas, nem sempre porque a isso foram educados, mas porque foram escolhendo ser estúpidos nas mais pequenas coisas - ou até nas maiores, tudo depende, há estupidez para todos.

É por opção que as pessoas cospem no chão, não guardam o lixo em casa quando há greve dos "homens do lixo" ou atiram papeis pela janela dos carros; é por opção que se perde demasiado tempo a ver televisão, em centros comerciais ou a comprar coisas que não nos fazem falta; é por opção que perdemos o hábito de dizer bom dia aos nossos vizinhos, de escrever cartas de amor ou visitar quem sente a nossa falta; é por opção que passamos à frente de alguém na fila, compramos muita coisa e viajamos pouco ou que andamos dias e dias de olhos fechados sem ver com olhos de ver o mundo que nos rodeia; é também por opção que não valorizamos os nossos pais, que prendemos os nossos filhos em frente à televisão ou que não tiramos 5 minutos para ir ver o mar; é ainda por opção que os funcionários fazem o indispensável e não tudo o que estiver ao seu alcance, que não caprichamos, que não pomos o máximo no mínimo que fazemos ou que insistimos em ir só à praia ou passear ao fim de semana e apanhar trânsito e acabar a discutir e com os putos a berrar; finalmente é também por opção que não paramos para pensar, que desistimos de querer aprender e esquecemos tudo o que de melhor nos ensinaram e vão querendo ensinar.

Acima de tudo, acho que falta racionalismo, critério e escolha ponderada, think about it...
To be continued...


quinta-feira, 6 de março de 2014

Amores e Desamores

Não é fácil estar numa relação, acima de tudo pelo facto de ser verdadeiramente difícil conhecer a outra pessoa e aceitá-la, com todas as suas "flaws and baggage". Acima de tudo é isto.

Quantas das vezes os casais chegam ao fim de 2 ou 3 anos de relação e realizam (pelo menos uma das partes da contenda) que não se conhecem, de todo. E para amar verdadeiramente alguém é preciso conhecer bem essa pessoa, a verdade sobre essa pessoa, mesmo que não seja (e sobretudo nestes casos) difícil de aceitar ou lidar.

É necessário falar directo, papo recto, ouvir, querer saber, fazer perguntas para as quais a resposta nem sempre pode ser fácil de digerir, responder coisas que só alguém que queira amar vai conseguir ouvir. E ir ficando, pergunta atrás de pergunta, ir ficando, conversa séria e chata atrás de conversa pesada e forte, ir ficando. Quando dermos conta, o caminho já vai longo e a pessoa ao nosso lado sorri no mesmo e preciso segundo mental que nós, é aí que sentimos o verdadeiro amor.

Confessar a alguém que estamos com essa pessoa de vez, sem pensar no fim, que estamos para ficar, na alegria e na doença como nas lamechices dos casamentos, é duro. A ideia intrínseca e para nós mesmos que esta é a tal, que é aquele sorriso que queremos ver ao nosso lado todos os dias, que é aquele corpo que queremos na nossa cama, encaixado em nós, quer faça calor e especialmente quer faça frio, todas as vezes, é mais dura ainda. A ideia que esta/e é a/o tal, a pessoa com quem vamos passar o resto da vida, é das mentalizações mais difíceis de conceber.

A este propósito, dois apartes apenas: a dificuldade nesta assunção de estado reside, fulcralmente, no motivo que está na base de configurar a coisa como uma partilha definitiva e a dois de todo um resto da vida, sendo proporcional ao grau de sentimento que pomos nessa mesma coisa: se vier de dentro e for do género de arrebatar corações e apertar barrigas, então é muito difícil porque representa a concretização de que vamos investir tudo naquilo e queremos desesperadamente (ainda que apaixonadamente) que dê certo; se for por motivos menores, então, como diz o outro, é "pinners" e para esses a leitura deste texto já vai demasiado longa.
Por outro lado, o ideal de vida partilhada, a dois, é algo que exprime não só uma conveniência social, de IRS's, de idas às compras, mas muito mais que isso, um caminho partilhado, duas estradas paralelas que são uma só na maior parte dos dias e das noites. No outro dia, via um filme que a certa altura fazia esta pergunta "como é estar casado?" e sinceramente adorei a resposta, ilustrada com imagens de festas de anos, de férias, de pequenos nadas, mas em que o que mais se salientava era a troca de olhares entre o casal, a cumplicidade e a linguagem invisível..acho que é precisamente isso..

Amar e não desamar é decidir que se vão fazer todos os esforços para resolver as coisas, mesmo quando não nos apetece nada, que vamos dar um jeito, ouvir, em vez de desaparecer e fugir à mínima coisa que corre mal ou à mínima discussão.
As pessoas discutem, é isso que elas fazem, mas é preciso amar de verdade e ser inteiro para querer construir algo, por mais pequeno que seja, de cada vez que o fazem, quando se der conta, já temos um império de castelos com todas as pedras que cada discussão foi trazendo.

Também não se diga que a idealização de ficar com alguém para sempre custa muito, porque não nos conseguimos satisfazer com uma pessoa apenas para o resto da vida, porque isso é a maior inverdade de sempre e uma falácia que os mulherengos (os maus) usam. Tal desculpa é a mera técnica da fuga, do não envolvimento e do "isto é óptimo mas tem calma que eu não quero nada sério".
Contra mim falarei ao dizer isto, mas acho que as pessoas receiam envolver-se, têm medo de se apaixonar, vivem amores à medida e vão gostando. Estão juntas, não amam, vão ficando, não namoram. Tal como já li e escrevi em tempos, falta amar sem rede, perder-se nas horas por paixão, perder-se de amores em casa ou no fim do mundo. É isto que falta.

Enfim, fascina-me, terrivelmente, como as pessoas vão do gostar loucamente, para o não gostarem nada, magoa muito, dói física e psicologicamente, muito. Talvez por isso as pessoas quando sentem que a outra as vai deixar, se antecipam e acabam primeiro, para não serem deixadas, ser deixado é das piores dores que pode haver, o vazio, a perda, a desorientação.
E é isto, mais um, menos um, outra história de amor que perde e desta/deste gostávamos mesmo. É este o percurso normal de um amor/desamor. E quando pensamos e realizamos que tudo acabou, que nunca mais vamos voltar a ver aquela pessoa da mesma maneira, sentada no nosso sofá, no banco do carro, na cadeira da esplanada a ver o mar, é terrível. Claro que nos vamos cruzar por aí, conversa banal, conhecer o novo namorado, apresentar o nosso novo amor, agindo como se nunca tivessemos estado juntos e lentamente pensando cada vez menos nela/nele, até ao esquecimento total. Quase total. Sempre o mesmo ritual, acaba, começa, sair e beber, conhecer e brincar, conhecer uma, enganar o outro, esquecer um e encontrar outra e depois após meses de vazio começar a procurar novamente o "true love", mais ou menos desesperadamente, até o encontrar e acharmos novamente que esta é a tal, até que uma nova separação o levar também.

"There’s a moment in life where you can’t recover anymore from another break-up. And even if this person bugs you 60 percent of the time, well, you still can’t live without him. And even if he wakes you up every day by sneezing right in your face, well, you love his sneezes more than anyone else’s kisses"...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

#fuckcancer

Já lá vão 3 anos desde o dia em que tudo deixou de ser como dantes, já lá vão 3 anos desde que o cabrão do cancro entrou nas nossas vidas...

Recordo como se fosse hoje, o dia em que recebi a chamada que mais me apertou o estômago; estava sol em Cascais apesar do frio e nada fazia adivinhar o que a visita da mãe ao médico iria trazer; a visita e tudo aquilo que se sucedeu desde então, um número infindável de outras visitas, de angústias e incertezas, de saber que se está doente, não fazendo ideia se alguém vez teremos cura.

Quando o telefone tocou a voz serena, como sempre, da minha irmã, não fazia prever tudo aquilo que a expressão "confirma-se, a mãe tem cancro", iria introduzir nas nossas vidas... De coração apertado e lágrimas nos olhos, voei para Lisboa, a voar para o abraço pesado a três, sabendo cada um de nós que aquilo ia dar trabalho, sabendo os 3 que íamos ter de lidar com um monstro que não conhecemos a cara, do género dos "bosses" de fim de nível, nos jogos que jogávamos quando éramos putos, um monstro que se ia apresentar a todos os "níveis", osso duro de roer.

Parece cliché mas é a mais pura das verdades, quem "deixa" entrar o cancro na sua vida, muda a sua forma de nela estar, a cabeça muda, as prioridades redefinem-se e tudo deixa de ser como até aí.

Podia enfatizar as centenas de idas ao médico, as mil perguntas ao Dr., "se está tudo bem", "quando vai tudo terminar", "qual o tamanho do bicho"; dúvidas, perguntas, incertezas, questões, horas sem sono a pensar em como manter o sorriso, quando o cérebro chora, em fazer das fraquezas-forças, em dizer que o coração está bom e que "está tudo bem", quando temos tantas dúvidas do que vai ser de nós, em que só nos apetece dizer todas as asneiras do mundo, bater em toda a gente e em que temos medo, muito medo...mas está tudo bem.

Podia falar dos milhares de horas a ouvir desabafos, a responder às perguntas da mãe que nada sabe, que tudo quer saber e nós sem saber o que saber ou o que pensar ou o que dizer.

Podia colocar o foco na força que é necessária - "tu tens de ser forte" -, mas nem sei o que isso significa, que tenho de ser forte eu sei, todos sabemos, é óbvio, mas se fossemos fortes não ficávamos doentes, a não ser que "temos de ser fortes", signifique que temos de criar força onde ela está precisamente a falhar, uma ordem impossível e utópica ou mais uma expressão feita que, no fundo, de nada serve.

Podia ainda enaltecer a capacidade de continuar a trabalhar, minha e da minha mãe, de continuarmos a passear, a rir, a colocar o Natal na mesa, a ir de férias, de continuar a treinar para lhe apontar os dedos quando ganhamos a tal medalha (é bonito e o pavilhão agradece), entre muitas outras coisas que sempre continuámos a fazer.

Podia recordar as horas de espera, quase sozinho, em pleno Hospital de São José, esperando apenas para ir, já de madrugada para casa, mas só depois de ver a cara dela após a cirurgia, só para a ver sorrir (drogada e serenamente) e garantir que a voltaram a trazer "inteira".

Podia também recordar as manhãs e tardes e noites passadas na quimioterapia, na radioterapia, nas consultas de toda a espécie, onde todos os muitos médicos que nos foram "passando pelas mãos" pareciam personagens de novela que iam sendo substituídos enquanto nós íamos ficando a ver o enredo.

Ou o abraço forte de cada vez que ia (e vou) para fora de Lisboa, para longe dela.
Ou a mão apertada enquanto ela rapava o cabelo pela primeira vez, com as lágrimas a caírem-lhe pelo rosto enquanto eu olhava para ela e para o espelho, de expressão imóvel, forte, mas com vontade de vomitar.
Ou os sorrisos forçados quando ela falava duas horas sobre a doença sem parar.
Ou as lágrimas que limpei quando saí sozinho do gabinete do médico, a custo de corridas no corredor do hospital para o vento secar a cara, depois de mais um revés, para voltar para junto dela de cara imperturbável e pronta a entregar o abraço certo.
Ou o sorriso dela quando lhe disseram que "estava boa de novo".
Ou o choro quando nos disseram que "estava doente outra vez".

Enfim, podia também partilhar as horas de espera, à porta dos tratamentos, da fisioterapia, das notícias boas, das notícias assim-assim, dos minutos para voltar a ver o sorriso dela, das horas para tudo isto e aquilo ter passado...

Mas não. Mas sim. O cancro é tudo isto, é contradição, mas é muito mais que apenas a soma deles todos. O cancro é inteiro, é uma entidade autónoma e superior à soma de todos estes sofrimentos. O cancro é fraqueza, enfraquece, desgasta, corrói, definha, provoca exaustão, saturação, raiva. Provoca tudo e não provoca nada. O cancro não se define por definição, é traiçoeiro, matreiro, silencioso. Não sei o que é o cancro, mas sei que ele dói como a merda. É isto.

Por tudo isto, mas não só, em mais de 3 anos de doença, que já foi e já voltou, que julgámos poder ser constipação mas que já aceitámos como gripe crónica, aprendemos que a vida é curta, que pode ser ainda mais curta e, por isso, mas também não só, que sejamos inteiros enquanto durarmos, pondo no mínimo que façamos o melhor que somos e podemos. Coadjuvado pela própria doente, que é ela sim a verdadeira heroína deste conto (sem fadas), aprendi a aceitar o cancro nas nossas vidas, a conseguir ser pleno no sorriso que antes rasgava de coração apertado. Tudo está bem enquanto estiver realmente bem e hoje podemos dizer que tudo caminha para mais uma vitória contra o monstro - 2-0 :)

E vamos dormir que amanhã é dia de almoçar com a mãe!

Até breve