sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

#fuckcancer

Já lá vão 3 anos desde o dia em que tudo deixou de ser como dantes, já lá vão 3 anos desde que o cabrão do cancro entrou nas nossas vidas...

Recordo como se fosse hoje, o dia em que recebi a chamada que mais me apertou o estômago; estava sol em Cascais apesar do frio e nada fazia adivinhar o que a visita da mãe ao médico iria trazer; a visita e tudo aquilo que se sucedeu desde então, um número infindável de outras visitas, de angústias e incertezas, de saber que se está doente, não fazendo ideia se alguém vez teremos cura.

Quando o telefone tocou a voz serena, como sempre, da minha irmã, não fazia prever tudo aquilo que a expressão "confirma-se, a mãe tem cancro", iria introduzir nas nossas vidas... De coração apertado e lágrimas nos olhos, voei para Lisboa, a voar para o abraço pesado a três, sabendo cada um de nós que aquilo ia dar trabalho, sabendo os 3 que íamos ter de lidar com um monstro que não conhecemos a cara, do género dos "bosses" de fim de nível, nos jogos que jogávamos quando éramos putos, um monstro que se ia apresentar a todos os "níveis", osso duro de roer.

Parece cliché mas é a mais pura das verdades, quem "deixa" entrar o cancro na sua vida, muda a sua forma de nela estar, a cabeça muda, as prioridades redefinem-se e tudo deixa de ser como até aí.

Podia enfatizar as centenas de idas ao médico, as mil perguntas ao Dr., "se está tudo bem", "quando vai tudo terminar", "qual o tamanho do bicho"; dúvidas, perguntas, incertezas, questões, horas sem sono a pensar em como manter o sorriso, quando o cérebro chora, em fazer das fraquezas-forças, em dizer que o coração está bom e que "está tudo bem", quando temos tantas dúvidas do que vai ser de nós, em que só nos apetece dizer todas as asneiras do mundo, bater em toda a gente e em que temos medo, muito medo...mas está tudo bem.

Podia falar dos milhares de horas a ouvir desabafos, a responder às perguntas da mãe que nada sabe, que tudo quer saber e nós sem saber o que saber ou o que pensar ou o que dizer.

Podia colocar o foco na força que é necessária - "tu tens de ser forte" -, mas nem sei o que isso significa, que tenho de ser forte eu sei, todos sabemos, é óbvio, mas se fossemos fortes não ficávamos doentes, a não ser que "temos de ser fortes", signifique que temos de criar força onde ela está precisamente a falhar, uma ordem impossível e utópica ou mais uma expressão feita que, no fundo, de nada serve.

Podia ainda enaltecer a capacidade de continuar a trabalhar, minha e da minha mãe, de continuarmos a passear, a rir, a colocar o Natal na mesa, a ir de férias, de continuar a treinar para lhe apontar os dedos quando ganhamos a tal medalha (é bonito e o pavilhão agradece), entre muitas outras coisas que sempre continuámos a fazer.

Podia recordar as horas de espera, quase sozinho, em pleno Hospital de São José, esperando apenas para ir, já de madrugada para casa, mas só depois de ver a cara dela após a cirurgia, só para a ver sorrir (drogada e serenamente) e garantir que a voltaram a trazer "inteira".

Podia também recordar as manhãs e tardes e noites passadas na quimioterapia, na radioterapia, nas consultas de toda a espécie, onde todos os muitos médicos que nos foram "passando pelas mãos" pareciam personagens de novela que iam sendo substituídos enquanto nós íamos ficando a ver o enredo.

Ou o abraço forte de cada vez que ia (e vou) para fora de Lisboa, para longe dela.
Ou a mão apertada enquanto ela rapava o cabelo pela primeira vez, com as lágrimas a caírem-lhe pelo rosto enquanto eu olhava para ela e para o espelho, de expressão imóvel, forte, mas com vontade de vomitar.
Ou os sorrisos forçados quando ela falava duas horas sobre a doença sem parar.
Ou as lágrimas que limpei quando saí sozinho do gabinete do médico, a custo de corridas no corredor do hospital para o vento secar a cara, depois de mais um revés, para voltar para junto dela de cara imperturbável e pronta a entregar o abraço certo.
Ou o sorriso dela quando lhe disseram que "estava boa de novo".
Ou o choro quando nos disseram que "estava doente outra vez".

Enfim, podia também partilhar as horas de espera, à porta dos tratamentos, da fisioterapia, das notícias boas, das notícias assim-assim, dos minutos para voltar a ver o sorriso dela, das horas para tudo isto e aquilo ter passado...

Mas não. Mas sim. O cancro é tudo isto, é contradição, mas é muito mais que apenas a soma deles todos. O cancro é inteiro, é uma entidade autónoma e superior à soma de todos estes sofrimentos. O cancro é fraqueza, enfraquece, desgasta, corrói, definha, provoca exaustão, saturação, raiva. Provoca tudo e não provoca nada. O cancro não se define por definição, é traiçoeiro, matreiro, silencioso. Não sei o que é o cancro, mas sei que ele dói como a merda. É isto.

Por tudo isto, mas não só, em mais de 3 anos de doença, que já foi e já voltou, que julgámos poder ser constipação mas que já aceitámos como gripe crónica, aprendemos que a vida é curta, que pode ser ainda mais curta e, por isso, mas também não só, que sejamos inteiros enquanto durarmos, pondo no mínimo que façamos o melhor que somos e podemos. Coadjuvado pela própria doente, que é ela sim a verdadeira heroína deste conto (sem fadas), aprendi a aceitar o cancro nas nossas vidas, a conseguir ser pleno no sorriso que antes rasgava de coração apertado. Tudo está bem enquanto estiver realmente bem e hoje podemos dizer que tudo caminha para mais uma vitória contra o monstro - 2-0 :)

E vamos dormir que amanhã é dia de almoçar com a mãe!

Até breve


Morreu Eusébio

(texto retirado do meu anterior blogue e escrito no dia em que Eusébio morreu)


Morreu Eusébio. Via à pouco na televisão as imagens no Estádio da luz, em que simbolicamente o caixão, dando seguimento a um pedido de sempre do Pantera Negra, dava uma volta à sua casa, aquela onde nunca jogou mas que continuará sempre a encantar e emocionei-me, de verdade.
Sou do FCPorto, amante incondicional do azul, do norte e do Porto, mas tocou-me a forma como um estádio chorava a perda da sua última e derradeira referência; o hino do Benfica que nada me diz, teve ontem um sabor forte, de perda colectiva da última grande lenda viva e Portugal ficou ontem, efectivamente, mais pobre.
Na verdade, enquanto o carro funerário percorria as ruas da capital, aplaudido por milhares de pessoas, uma cidade e um país despediam-se daquele que, em tempos, chorou por todos nós e essa é a maior lição que poderemos tirar, em jeito de reflexão, deste triste dia para Portugal: quem vive intensamente, mais cedo ou mais tarde, receberá, na exacta proporção, todo o carinho e reconhecimento que lhe são merecidos. E não se diga que devemos valorizar as pessoas enquanto cá andam, entre outros infindáveis disparates que sempre se ouvem nestas alturas de enlevo nacional, porque, efectivamente, as coisas sempre chegam no seu momento; pode não ser o certo, mas é o momento que lhes foi reservado, por um sem número de diversos e variados factores.
Por outro lado, o sentimento de perda é, provavelmente, dos mais fortes e difíceis de enfrentar. Vamos demorar a superar a morte de Eusébio, tal como demorámos (quase tanto) a superar a morte de Amália, tal como um apaixonado demora a ultrapassar um desgosto amoroso ou todos demoramos a superar a partida de um ente querido.
De facto, a perda e os finais - de vida, de amor, de ligação, de permanência -, são sempre tramados e representam, a meu ver, verdadeiras mortes, quando não o são mesmo até. Uma parte de nós ficará sempre com aquela menina que nos roubou o coração e não o devolveu, na cidade onde fizemos Erasmus, naquelas férias inesquecíveis, com aquele amigo que gostaríamos de ter à distância de um sms e não está já entre nós...
Por isso, façamos luto, honremos todas as mortes de que são feitos aquelas que cá andam para levar um pedaço forte deste Mundo, não tenhamos medo de chorar, de levar tempo a esquecer, de só voltar, efectivamente, a sorrir, quando fizer sol.

Até já Eusébio!

Boys don't cry

Em boa ou má altura, decidi lançar este novo recanto onde posso ir deixando textos, pensamentos, fotografias, vídeos e pedaços do que daqui vou levando.
Boa altura porque é sempre bom quando paramos para pensar e escrever; má porque a inspiração vem das dificuldades (como sempre). Na verdade, acho que ninguém escreve quando está totalmente feliz e tudo corre de feição; de facto, tal como qualquer boa história não começa quando decidimos comer uma salada, a boa inspiração também não aparece quando nos saiu o euromilhões, quando tiramos a melhor nota da turma ou quando nos oferecem o bilhete para o concerto mais desejado.
Salvo melhor opinião, é da tristeza e instrospecção necessária para encarar certas adversidades, que nascem os pensamentos e palavras mais acertados, até porque na maior parte dos casos, qualquer acontecimento gerador de euforia induz mais facilmente a uma corrida para os nossos amigos (e para o bar), do que para a secretária.

Assim sendo, sem antecipar o que vou aqui deixar a partir de agora, textos escritos e nunca publicados ao longo do tempo, mas também "olhos" actuais sobre o que for acontecendo, este cantinho, tal como o próprio nome sugere, pretende ser o meu "diário de viagem"; não apenas das viagens físicas, mas também, e sobretudo, das espirituais, que oscilam, invariavelmente, entre prazeres e necessidades, numa subjectividade rica de interesse e plena de pontos polémicos, variando psicoticamente entre o dever e o ter, o prazer e a obrigação, a necessidade e a evasão.
Por outro lado, a nível estritamente pessoal, a nome faz também sentido, na medida em que traduz de forma simples e óbvia, esta minha nova fase, devido ao facto da minha morada se situar, efectivamente, entre a freguesia dos Prazeres e das Necessidades, pelo que, esta mudança física e representativa da nova fase de vida, acaba por traduzir este novo capítulo de amadurecimento escrito e teleológico.

E a nível introdutório é tudo, sejam bem-vindos e até breve!